Chegou a hora de falar dele.
Atenção 1: Se você chegou aqui, eu preciso te avisar que este texto faz parte de uma série e a primeira parte eu já publiquei: leia aqui. Tem apenas 6 minutos de leitura.
Atenção 2: Esse texto ficou longo e eu contei coisas muito pessoais. Sejam gentis comigo e com outras pessoas que estão passando por situações similares.
Ok? Bora.
Depois de me concentrar na água e prestar mais atenção no quanto de líquidos eu tomava por dia, eu precisava falar do meu “vórtice”.
Mas antes, vamos voltar um pouquinho no tempo porque preciso dar alguns contextos.
Quando bebê, minha primeira palavra foi “Coca”. Pode parecer engraçadinho, mas… Não é, né? Um bebê, que nem dentes tem, tomando Coca-Cola, não parece ser a coisa mais saudável do mundo. Mas eu era um bebê do início dos anos 90, então ser ou não ser saudável não era uma preocupação tão comum assim.
Quando criança, a chegada da Páscoa era um verdadeiro auê em casa. Minha família sempre gostou de chocolate. Aos 2 anos, minha irmã (mais nova) ganhou um ovo de Páscoa do tamanho da cabeça dela e tenho memórias vívidas desta criatura amassando e mordendo como se fosse algo de outro mundo. Só que quando eu já era maiorzinha, lá pelos 8 anos, a minha a minha avó paterna veio para o Brasil passar o mês e trouxe alfajores da Havana. Ela havia trazido uma caixa com 24 alfajores. Meu pai escondeu em um freezer com chave. Eu achei a chave e comi todos os de chocolate com a minha irmã, deixando apenas os de merengue.
Agora vamos dar um salto: meu primeiro emprego, aos 17 anos. Como eu era adiantada na escola, eu terminei o terceiro colegial praticamente com 16 anos. Fiz 17 em outubro, e logo a escola acabou. No fim de janeiro, eu comecei a trabalhar com uma equipe de videografismo de uma rede de televisão evangélica (detalhe importante: nunca fui religiosa, tenho pouquíssimo contato inclusive). Fui contratada como estagiária para criar cenários virtuais para os programas da TV. (Outro detalhe importante: meu pai atendia essa TV porque trabalha com cenografia virtual. Como eu gostava de jogar The Sims, era NATURAL para o meu pai eu trabalhar com algo parecido). Meu salário: não tinha. Eu ganhava R$ 200 para o transporte, que era pegar um ônibus, um trem e um metrô todos os dias, tanto na ida, quanto na volta.
Quando recebi esse dinheiro, meu pai combinou que esses R$ 200 seriam o meu salário e que ele pagaria meu transporte. Afinal, foi ele quem me indicou para trabalhar naquele lugar.
Acontece que: a primeira coisa que eu decidi comprar foi um chocotone de 1 kg, porque ainda estavam vendendo. Era doce. Tinha chocolate. Cheguei em casa e escondi no meu guarda-roupa. Comi inteiro em menos de 2 dias.
Corta para pouco antes de começar as sessões com a minha nutricionista.
Eu havia visto um reels no Instagram de uma moça que explicava o que era compulsão alimentar. O que eu achava (e acredito que muita gente pensa igual): que compulsão alimentar era comer uma caixa de bombons de uma vez. Ou comer o dobro de pedaços de pizza que normalmente come quando estava com muita fome.
Não. Eu entendi ali, naquele vídeo de 60 segundos (ainda não estava liberado a versão de 90s), que compulsão alimentar era perder o controle e não perceber o que estava comendo. Não perceber o que estava comendo. Era algo familiar.
Um exemplo de algo que já aconteceu comigo: comer uma banana. Comer uma segunda banana. Tomar um copo de leite com achocolatado. Sentir mais “fome” e jantar um prato de arroz, feijão e carne moída. Comer um pão francês. Comer um segundo pão francês. Sentir a barriga doer, mas comer uma barra de chocolate porque faltava o “docinho”. Tudo isso seguido, sem parar ou dar um descanso.
Era comum. Era uma terça-feira à tarde. Era um dia qualquer. Eu não percebia o que estava comendo. E finalmente entender, com acompanhamento nutricional, que eu de fato tinha um distúrbio alimentar, mudou muito a minha percepção sobre comida no geral.
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Vou voltar para o “vórtice” e aí, sim, farei o link com o chocolate. Vamos?
Eu entendi que tinha um horário de sentir vontade de comer doce. Vontade de comer chocolate. Não era à noite, ou de manhã. Era à tarde. Era precisamente entre 15h e 17h em horário de trabalho.
Olha só: com toda a vida passei fazendo dietas e mais dietas, eu aprendi que doce eu só poderia comer depois do almoço. Tinha algum estudo científico que dizia que era o melhor horário e isso bastava. Isso me marcou tanto que se alguém me oferecesse de manhã bombons de chocolate, provavelmente eu iria esperar passar o almoço para comer. E talvez à noite eu comeria só um, porque “não se pode” comer doce à noite. (Fontes DataC*)
Então a vontade de comer doce era depois do almoço. Ok. Mas por que naquele horário tão específico?
Era o momento da minha estafa mental. Aprendi que eu funciono muito bem de manhã - até lá pelas 14h. É meu momento de maior atenção, foco, criatividade e energia. Eu movo o mundo nesse período. Volto a ficar mais enérgica lá pelas 19h (se precisar), que aí eu consigo uma sobrevida. Mas eu desligo os motores às 22h.
Só que ESSE horário da tarde acaba comigo. Eu quero parar de pensar. Não quero sentir raiva, nem tristeza, nem cansaço… Logo: um chocolate resolve todos os meus problemas. E foi assim, por muito tempo. Piorou muito no home office, claro, mas ficou MUITO PIOR na pandemia. Esse era o meu vórtice.
“Ah, mas é só não comer chocolate. É só não comprar. É só não pensar nisso.” - Isso não funciona para uma pessoa ansiosa com distúrbio alimentar. E se você já falou isso para alguém, pare agora. Só atrapalha, juro.
O exercício:
Bom, entendi um monte de coisas, dos meus gatilhos, de onde vem minha vontade de comer doce. Mas justo chocolate? Não poderia ser… Bala? Torta? Bolo? Cocada?
Fiz um exercício com a minha nutricionista que consistia em 10 passos. Desde abrir o chocolate, olhar para ele, sentir o cheiro, colocar na mão, enfim… Para chegar só no 9º passo e morder. Eu fiz o exercício e no 3º passo eu já tinha engolido um quadradinho de chocolate. Tentei de novo e foi MUITO difícil. Tentei umas 3 vezes. Acho que resolver uma conta de matemática com números e letras seria mais fácil para mim. Bem mais.
Anotei num caderno e na próxima sessão foi basicamente isso:
O que o chocolate te faz sentir, Grecia? R: Uma festa. Felicidade. Prazer.
E depois que você come? R: Eu sinto tristeza. Porque eu comi demais. Mas também porque acabou.
Então eu ouvi isso aqui:
“Grecia. Você colocou o chocolate num pedestal. Ele é uma comida. E comida é como qualquer outra comida. Ele está mais perto da alface do que se ter um super poder para te deixar feliz, entende?”
Eu colocava o chocolate num lugar inalcançável. Eu subia o monte Everest para esconder o maldito chocolate de mim mesma. Mas escalava ele de volta e comia como se nunca mais fosse existir produção de chocolate na face da Terra. Eu me sabotava.
Eu vou comer só um pouco. Um quadradinho. Não, dois. Ah, uma fileira, ok. (2 minutos). Não vou aguentar. Como só a metade da barra e pronto… Ué, cadê o resto?
“Você tem permissão para comer chocolate. Eu quero que você faça outro exercício. Vá até a loja de chocolates que você gosta e compre quantos quiser. Compre um Ovo de Páscoa. Você pode comer tudo na mesma hora se tiver vontade. Você pode.”
Algumas sessões depois eu tive essa missão aí acima. Eu ri de nervoso. Suei frio. Como assim eu tinha permissão? Nunca ninguém me deu permissão. Nem meus pais. Nem a nutricionista da escola. Ninguém da minha família. Nem mesmo meus amigos.
“Come pouco, tá?”
“Come só um pedacinho para experimentar.”
“Não exagera porque senão você vai ficar gorda.”
Bom, eu fui. Calcei meus tênis, fui até a loja de chocolates na hora do almoço e comprei um Ovo de Páscoa. Era terça-feira, 4 de abril de 2023. (Eu sei porque me marcou). Comprei o maldito ovo. Coloquei em cima da mesa da sala de jantar. E toda vez que eu passava por ele, eu tremia. Eu me arrepiava. Eu parecia um gato fazendo “fuzzzz”.
O motivo? Eu não conseguia abrir o ovo. Não conseguia. Parecia errado.
Foi só na quarta-feira à tarde que criei coragem. Comi um pedaço. Sei lá, algo equivalente a 1/3 da metade do ovo. Guardei. E chorei. Eu me senti mal. Parecia errado ter todo aquele chocolate à disposição, para eu comer quando quisesse.
Mas ele durou até sábado à noite. E parecia que eu tinha caminhado 100 km, de tão exaustivo que foi.
Depois desse acontecimento na minha vida, lá em abril, meus episódios de vórtice diminuíram muito. Cada vez menos. Mas não, eles não deixaram de existir.
Essa semana mesmo eu comi uma barra inteira de chocolate no mesmo dia. Antes era “numa sentada”. Mas dessa vez eu parcelei em 2 vezes (sem juros, risos). Eu comi consciente (porque eu nunca via o “fim”, sempre ficava batendo na embalagem para ver se tinha mais). Mas recentemente tenho comido menos doces. Passei vários dias sem comer chocolate, tentando substituir por umas colheradas de doce de leite.
E não é que eu esteja fugindo de doces, ou me policiando para comer menos chocolate. Tenho tido menos vontade mesmo.
Eu acho que agora eu consigo ver o chocolate como um alimento, e não como um super-herói que vai me aliviar de todo o mal.
Eu não preciso mais escalar o Monte Everest para esconder de mim mesma. Agora eu sei que consigo guardar na geladeira e não preciso comer tudo de uma vez. Está ficando mais fácil.
E só mais uma coisa: muito, mas muito obrigada por me ler até aqui. Não só por querer saber da minha história, mas se chegou até aqui, é porque eu consegui te prender um pouquinho a atenção. :)
A parte 3 será sobre glúten.
Nos vemos lá?
Se você gostou, curta o post e comente o que achou :)
Se é tudo loucura ou verdade, só saberemos mais tarde.
Um beijo e um queijo,
💋🧀
Engraçado como a gente realmente coloca as coisas e os alimentos em pedestais, cria rituais em torno deles, quando eles são simplesmente alimentos ou coisas. A gente precisa se dar permissão e tirar essa "aura" em torno deles, isso facilita muito. Sua nutricionista é uma pessoa muito bacana e fico muito feliz que você esteja conseguindo superar esses obstáculos. Obrigada por compartilhar!