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Olha, faz tempo que eu tenho vontade de escrever sobre as minhas questões alimentares. E eu achava que não deveria escrever sobre isso porque, de alguma forma, eu estava errada e não tinha lastro suficiente para falar sobre.
Lastro. É. 32 anos criando lastro de inseguranças, angústias e problemas relacionados à comida.
Mas deixe-me contar aqui um pouquinho sobre mim, para eu poder falar sobre a água:
Eu sou filha de uma brasileira e um argentino. Sou metade branca, metade preta. Sou bissexual. Sou jornalista de formação, mas trabalho com marketing. Sou jovem com gostos de senhora aposentada. Sou gorda para ser considerada magra, sou magra para ser considerada gorda.
E por muito tempo, eu me vi e enxerguei as coisas assim: 100% binárias. Ou uma coisa, ou outra. E eu nunca conseguia ver o meio-termo, a área cinza. Porque eu tinha que me encaixar em algo, não é mesmo?
Então, falar sobre comida era algo “errado” para mim.
“Não sou nutricionista. Não sou especialista. Não sou ninguém e devo me manter na minha insignificância.”
Bom, esse sentimento se amenizou e eu me enchi de forças para escrever aqui.
Vamos lá.
A saga da água
Eu tenho uma única memória tomando água quando eu era criança: anos 90, era um dia de excursão da escola e nós fomos visitar o quartel da cidade. Mas era um quartel imenso (e para uma criança de uns 8 anos, provavelmente era absurdamente gigante). Eu me lembro de ter um parquinho de brinquedos de metal, um trepa-trepa colorido (nome horrível, por sinal), um gira-gira, balanços pendurados por cordas de sisal enormes e muita, mas muita grama.
Provavelmente era um dia de verão, fazia MUITO calor e nós, as crianças, estávamos morrendo de sede. Andamos uma boa parte daquele quartel, e quando um dos meninos viu uma torneira, foi correndo abrí-la e tomar água. Acho que era o Leandro, não tenho certeza. E logo se fez uma fila de crianças para tomar água. Naquela época ninguém estava muito preocupado em ser uma água limpa, afinal de contas.
E então chegou a minha vez. Eu me abaixei e sorvi aquela água gelada, que tinha um gosto meio metálico, meio de cloro, meio de barro. Eu não saberia dizer, mas era aquilo: um gosto estranho.
Corta para 2023. Ou melhor, fim de 2022.
Praticamente “fim” da pandemia, as pessoas estavam saindo mais de casa, visitando amigos, parentes. Eu havia descoberto artrose no quadril em 2021 e desde então estava me recuperando. Os exercícios com mais intensidade pararam, as comidas pioraram (preguiça, comodidade, etc) e como consequência, ganhei peso. Cheguei nos 3 dígitos num piscar de olhos.
Então, em novembro de 2022 eu havia resolvido que iria procurar uma nutricionista. Achei uma, paguei pela consulta e esperei pelo restante do que foi combinado… E nada. Cobrei várias vezes, até que a nutri me bloqueeou. Fiquei tão ansiosa, tão nervosa, que eu obviamente descontei na comida. E tudo o que eu queria era tentar resolver minha questão com a comida. Já haviam indícios, mas eu não sabia ainda o que era “descontar na comida”.
Aí, eu achei a minha atual nutri Thâmara, especializada em nutrição comportamental. Inclusive, foi indicação da minha amiga Samy (obrigada amiga, você é uma amiga!).
Começamos as sessões, e eu tinha uma única meta: planejamento alimentar. Queria organizar o que eu comeria na semana, ideias de refeições, do que eu poderia congelar, etc. Até porque com a minha dinâmica de trabalho, mesmo home office, parar para cozinhar todos os dias é algo impossível. Naquele momento, eu não queria pensar em emagrecimento. Em dieta. Nada disso. Eu só queria saber o que poderia comer durante a semana.
Mas logo uma coisa virou pauta nas sessões: a água. Eu não tomava água. E quando eu falo “não tomava”, era isso mesmo. Absurdamente pouco.
Dizem que é bom tomar de uns 2 a 3 litros de água por dia, né? Eu tomava um copo. No máximo 2 copos. Tomar 3 era um absurdo. Mas tomava outros líquidos? De manhã, uma xícara de café com leite. Só.
(E gente, relendo, eu juro que não quero ser elitista nem desdenhar quem não tem acesso à água, nem falar de pobreza. É meu recorte de classe média, que mesmo com condições financeiras melhores, sabe seu lugar. O rico tinha que acabar.)
Quando eu saía à noite para jantar, até tomava um refri, mas era sempre no máximo 1 latinha. Agora: COMO eu nunca tive pedra nos rins, eu não sei. Sério.
Eu não sentia sede. Sabe, aquela coisa da boca secar, pensar em água e matar a sede? Eu não sabia o que era isso. Eu comia. Eu achava que era fome.
Inclusive, mesmo fazendo exercícios (no fim de 2022 eu já estava fazendo musculação para fortalecer o quadril), eu não tomava água. Nem para ir, nem na academia, nem na volta. Eu comia.
E então comecei a saga de tentar tomar mais água. Água gelada? Tem gosto, não. Água misturada, ok. Água natural, talvez.
E copo? De vidro? Ok. De plástico? Não. Garrafinha? Depende do material, do bocal, da textura. É de apertar? Legal. Rígida? Não. E fui testando.
Comecei a tomar mais água e percebi porque eu não gostava: muita vontade de ir ao banheiro. O tempo todo. A cada hora. Credo. Eu não aguentava mais. Sentia dor. Era cansativo.
<Pausa> Eu me lembrei de quando eu trabalhava em shopping, lá pelos 19 anos. Eu ia no máximo uma vez ao banheiro em 8 horas de trabalho. Se fosse mais, a gerente implicava. Quando ia alguém e estávamos apertadas, a gente dizia: “leva a minha bexiga com você”. Como se fosse amenizar. Torturante. </Pausa>
Tomar água era difícil. Ir ao banheiro era difícil. Eu me esquecia de tomar água durante o dia. Tomava à noite e passava a noite acordando para fazer xixi. Não dava certo. Como que eu ia conseguir tomar mais água?
Ainda bem que eu tinha a Thâmara. Ela dizia que isso ia melhorar. Ainda bem que eu acreditei e não desisti.
Eu colocava copos de água em cima da mesa de trabalho. Terminava o dia e eles estavam lá, intactos.
Então minha meta era: tomar 1 litro de água por dia. Para quem tomava menos de 500 ml de líquidos diários, era uma vitória.
A outra meta: reconhecer o que era sede. E falar em voz alta: SEDE. Eu parecia um robô, mas era isso mesmo. Eu estava me reprogramando para sentir sede, reinstalando o sistema tal qual a Pitty canta.
Aí tive algumas percepções:
Gostei do copo Stanley que ganhei da minha sogra. A água se mantinha fresca. Mas percebi que o bocal dele era grande demais e me molhava sempre.
Gostei da garrafa de água de 1,5 L da Crystal. É um squeeze leve. Você aperta e sai água até demais. Mas não é prático para levar no carro e não dá para reutilizar muitas vezes.
Gostei da jarra de vidro em cima da mesa da sala. Toda vez que passava ali, tomava um gole. Mas agora no calor a água esquenta e não tenho vontade de tomar.
Gostei de uma garrafa de vidro de 500 ml, com bocal pequeno. É o que está em cima da minha mesa neste momento. (Inclusive, acabei de dar um golão de água). Por enquanto estou gostando dela.
Basicamente, foi em janeiro de 2023 que comecei a tomar água com consciência. Eu tinha 31 anos. Agora, quando escrevo aqui, vejo que faz 1 ano dessa saga. É mais fácil. Em alguns, pouquíssimos dias, consegui tomar mais de 2 litros de água. Mas é raro. O normal é no máximo 1,5 L.
E eu me considero MUITO vitoriosa. Eu tenho ORGULHO.
A parte 2 será sobre chocolate.
Por favor, curta e comente o que achou :)
Agradecimentos:
Obrigada Nessa, por me inspirar a escrever este texto. Inclusive, leia ela aqui.
Obrigada Thâmara, por estar comigo neste processo. Conheça ela aqui.
Obrigada Guilherme, de me lembrar de tomar água, comemorar comigo pelos goles e por cuidar de mim.
Se é tudo loucura ou verdade, só saberemos mais tarde.
Um beijo e um queijo,
💋🧀
Que delícia de texto. E que vocabulário que tu tem. Adorei! Mas sobre o tema em si: mudar de hábito, qualquer hábito, pra mim é sempre muito fácil, tanto que no dia seguinte ao que eu fui à nutricionista pela primeira vez, comprei os ingredientes das refeições que ela tinha listado e mudei minha alimentação literalmente de um dia pro outro. Já em relação à água, desde que me mudei pra Portugal, há uns 10 anos, e comecei a trabalhar em escritório e não dando aula, tomo pelo menos 2 litros de água por dia. Depois de voltar ao Brasil, ainda mais, porque né, calor. Lembre-se: moro hoje em Fortaleza. Bueno, que ótimo que tu tá conseguindo.
P.S.: sim, rico tem que acabar.
P.S. 2: ansioso pra ler sobre chocolate.